Me afogo...
E, no entanto, não ouso descansar os braços enquanto nado
nesse abismo de água repleto de monstros que sussurram meu nome na escuridão.
Ainda sou o embaixador de mim mesmo, mas não faço proclamas
porque ainda não acredito no meu produto. Uma buzina soa, alguém dobra os
joelhos e grita aleluias e eu olho irritado o inicio do apocalipse, porque o
mundo vai acabar ainda não acabei de ler um livro que ganhei de aniversário..
Um sonho mau... Apenas isso.
E então fico aqui,inerte por um tempo...
Eu me espreguiço de tédio nesse escuro porque terror é coisa
que compreendo tão bem quanto as letras miúdas em frascos de vitaminas que meus
olhos não conseguem mais ler sem óculos e meu esquecimento não dá conta de engulir.
E a droga é que nem tenho óculos, mas tenho uma memória
elefantina...
Talvez eu devesse ter óculos...
Talvez eu devesse ter anseios, desejos de felicidade e amor,
mas sempre que penso nisso, me sinto tolo, como alguém que teima em tirar água
com que se afogar em um poço que já secou há muito tempo...
Até sinto um pouco de medo, mas não o compreendo...
Em um mundo de sensações, fico imaginando se alguém
compreende ou mesmo se alguém se importa em compreender algo, além de sentir.
E é através dessa vida vítrea que meio trôpego, me levanto
no escuro, me desvio de um ou outro fantasma lamentoso e praguejo contra o pé
da mesa no qual dou topadas no escuro.
Queria não ter bexiga, vizinhos barulhentos e sonhos
perturbadores e talvez não precisasse me levantar tantas vezes durante a noite.
Oh, deus do céu! De repente tenho 43 anos e nem sinal do
rosto grave, absolutamente masculino, olhar duro e vida segura que em minha infância
sonhava que estaria me olhando de volta neste espelho.
Um corpo lânguido, uma alma febril e um sentimento de virar
a esquina da vida a qualquer tempo. Alguma coisa deu errada na minha, mas faço
balancetes diários e ainda assim não fecho a conta, mas fecho o armário do
banheiro e la está a cara de garoto cansado me olhando...
Uma semana sem fazer a barba e nem sinal de pelos
espinhentos que me completem o ar de decadência. Preciso checar o cartão de crédito,
o cheque especial, as notas da escola da minha filha e meus níveis de
testosterona.
Deus! Que hora ruim pra ser ateu! Eu poderia fazer como
fazem seus “filhos” e culpa-lo por tudo, dizer que é um dos seus “planos
misteriosos” e me consolar de alguma forma absurda e esotérica.
Ao invés disso
fico aqui, me culpando por tudo, até
pela vitória de Trump e a queda de todos os aviões e projetos de vida do mundo...
E porque diabos estou escovando os dentes as três da
madrugada?!
Cabelos brancos desde os dezesseis anos, então não posso me
vangloriar dessa névoa no topete como uma condecoração pelo tempo de vida e eu
nunca fui vaidoso, mas que merda! Se não posso ter um rosto bonito, ao menos não
poderia tê-lo um tantinho mais viril?
Olhos tristes e cansados, cansados também de se verem a cada
manhã e agora a cada madrugada nesse espelho salpicado de creme dental.
É insano!
Sempre tem alguma porcaria de cachorro latindo, rádio ligado
em algum lugar, gente gritando em um bar próximo e eu que deveria estar
dormindo, irritado como um autêntico velhinho mal humorado que fica reclamando
do barulho.
E pra falar a verdade, fico mais incomodado é com o silêncio
nesse lugar, parecido ao silêncio da selva, como se algo inacreditável e violento
estivesse pra acontecer.
Reminiscências de uma noite insone e insana...
Sinto vontade de fumar e novamente me lembro de que nunca
fumei e que detesto o cheiro de cigarros e que detesto estar detestando tudo o
tempo todo, mas que se dane isso!
Cada qual com seu talento, não é?
O meu é estar mal e detestar, eu acho.
A única coisa que parece que sou bom.
Tenho uma inclinação patológica pra estar mal..
Tenho um buraco onde deveria haver um estômago.
Uma fome de
tudo que paralisa meus sentidos.
Tenho cãibras nos braços e nos motivos,
Tenho preguiça até de ter preguiça e me movo de volta pra
cama fria em câmara lenta enquanto sobem as letras dos créditos finais de minha
vida.