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quinta-feira, 31 de março de 2011

Festinha - By Sahge


Espero que no dia em que meu Eu dobrar sobre si, eu ainda me reconheça apesar do tanto que deixei o mundo e meu próprio e tolo capricho amarrotar-me. Deixar, ainda que momentaneamente, que te molde o mundo ou o seu desejo de fazer parte dele é receita certa para um desastre, no qual o Eu acaba por sofre duros golpes na firmeza de sua força individual. Sua convicção vacila e os limites daquilo que é da cultura e daquilo que é seu, se esvaecem, o boêmio se confunde ao beato; e onde não há fronteira, há o tráfego e o tráfico de idéias que não são suas. Há o transe e o trânsito de pensamentos e anseios alienígenas ao Eu.


Deixe que entrem em si. Deixe!


Será como uma festa na qual aqueles poucos que receberam o seu convite, trouxeram consigo outros não convidados e estes também trouxeram uma companhia análoga. Somados a estes e aos anteriores, uma multidão de penetras adentrou a sua festa... E reviraram sua casa, sujaram seu tapete, transformaram sua pequena festa numa rave desordenada, comeram, beberam, incomodaram seus vizinhos, não fizeram o menor caso de cumprimentar o anfitrião e depois de reclamarem a noite toda da festa “mixa” na qual nada comeram e nada beberam ( a despeito do fato de você ter posto a disposição destes seu estoque mensal ou semestral de víveres e esvaziado a sua adega), vão se na noite sem sequer despedirem-se de você, deixando-lha uma pilha de pratos sujos, garrafas vazias e aquela sensação de que você se comportou como um tolo por ter feito a festa, para início de conversa.


Ainda não sei o que é pior; não ter forças para certas coisas em alguns aspectos e assumir isso, ou amparar-se na força de outrem se esquecendo da própria limitação.
O que eu sei, é que toda vez que vejo aquele “piedoso” e arrogante sorriso, no rosto de pessoas claramente vazias de si quando suspiram pelo “céu dos virtuosos” sem ao menos estarem honestamente convictos de que existe mesmo um céu, mais ardentemente desejo assegurar o meu lugar no inferno, porque me parece que é para lá que são enviadas as almas mais densas.

quarta-feira, 30 de março de 2011

O Caos Numa Esquina - By Sahge




Escrevendo errado em linhas tortas finjo ser um poeta,
(decentemente, segundo uns, mas considero isso um elogio injustificado e imerecido),
Rabisco o Caos disfarçado em versos sem rima...

E porquanto o Caos pulsa-me nas veias e flui em minhas idéias,
Atrai-me a ordem e simetria das pequenas e grandes coisas,
Semelhante a mariposa fascinada pela chama.

Enquanto escorrego para casa, atravessando a noite fluida,
Experimento o subversivo e quase místico prazer de andar de olhos fechados...
Headfones me nutrindo de Stoa:
"ignis, quo crucior
(das Feuer, das mich quält)
immo quo glorior
(aber zugleich erhöht)
ignis est invisibilis".

E lá me vou numa cegueira auto-imposta
Pelas calçadas apinhadas e ruas de infernal trânsito...

Isso tudo é sonho, é claro...

A verdade é que fiquei ali parado numa esquina incapaz de mover-me...
Pensava se em algum momento você passou por ali,
Por aquela mesma esquina, imersa em pensamentos,
Como eu, andando em sonhos...
Enquanto isso contava o fluxo de pessoas e carros apressados,
E perdi a conta de quantas vezes perdi a conta.

Lembro-me de algo que você disse e penso enquanto me vou na noite:
Se as pessoas são sonhos (e sei bem quem são os meus),
Se estou sendo sonhado ou sou a imagem de um pesadelo (que seja),
Quem é o sonhador que a mim dá forma e substância onírica?
E o que acontece se ele acordar?
Será o despertar dele...Ou o meu?

segunda-feira, 21 de março de 2011

Não há silêncio - By Sahge




Da morte não temo a vida, porque se a temesse
Evitaria como um louco a sua irmã gêmea.
São indistinguíveis no escuro, o choro ou o riso
E quem escuta?
Confundem-se no absurdo do contar de horas e anos.


Que faz existir um oceano senão gotas e rios perdidos
Que nele imergem sua unidade para se fundirem
No nada que é tudo?


Meu coração não é feito do sangue que bombeia,
Nem das fibras que alimenta,
Mas de cada batida dolorosa.
De cada batida lenta e dolorosa!

Cada passo em direção à morte me lembra de que estou vivo
E isso pode até ser redundância, mas
Cada vez que perco o fôlego, cada instante em que sufoco
Torna mais precioso o ar que respiro.
Minha vida
É feita de cada belo momento em que morro um pouco.

Eu olhei em teus olhos e menti a única mentira que conheço.
A de que nunca te amei menos do que fui capaz por vontade...
A verdade, (negue se quiser, és livre!)
É a de que não existe no mundo verdade alguma
Senão a de que você e eu somos um.
Confundidos como um híbrido de Céu e Inferno.
Uma aberração, uma linda e reluzente aberração.

O medo corre em suas veias como um veneno
Corroendo os seus dias como o tempo corrói a sua carne.
O medo de descobrir que nada no mundo é real
Exceto aquilo em que não acredita.


Eu,
Eu nunca vi um abismo sem querer me atirar ao fundo
Nem conto voar ao fazê-lo, mas sentir na queda o vento no rosto.
Mais um instante de vida enquanto caio!
Nunca fugi de um pesadelo ou da decadência.
Nem de presas, garras ou olhos maus no escuro.

Mas fujo das visões que pairam sobre a minha cabeceira...
Visões do teu corpo nu na luminescência da noite,
Flutuando no céu dos meus desejos inebriados.
E corro da lembrança dos teus lindos olhos lânguidos,
E da sua alma prateada,
Que faz meu sangue correr como lava.

Ah, eu contava encontrar no vácuo do nada o silêncio
Que calasse toda a vida que pulsa em mim.
Contava silenciar a humanidade que me desperta a tua memória.
Só não contava que no vazio que há, não há silêncio...
Há que se preencher com aquilo que mais se ama.

MARFIM - By Sahge




Não há de me atormentar o desejo de ser atormentado.
Pelo desejo que me atormenta.
Para sempre.
Beijo lábios frios, desejando que sejam frios.
Mas escrevi teu nome em letras de fogo, como num sortilégio,
Distraindo-me em adivinhar no céu da sua angustia
Mil motivos para que não me veja olhando-te de volta
Quando te miras num espelho.

Oh, seríamos a erva e o sol, o canto rouco do vento
E o silêncio da tarde.
Ela se arrasta preguiçosa e eu conto nuvens no azul.
Eu recordo dos dias felizes em que eu era como esse sol
E te banhavas em minha luz.
E todas as tardes eram preguiçosas como essa.

Todos os dias minha loucura grita.
Que eu tenho o direito de esquecer o ângulo perfeito de teu rosto
E o circulo maravilhoso desse olhar febril que me despe sem me ver.
Mas que homem em sua sanidade
Escuta o que berra a sua loucura?

Imaginei o mundo como um louco carrossel multicolor
E eu a girar com ele,
Vejo o mundo em cores indistintas.
Um bêbado num carrossel.
Imaginei tuas formas sensuais sendo esculpidas em marfim,
Conseguido ao custo do sangue de muitos homens.
Sangue parece ser sempre o preço a se pagar pelo maravilhar dos olhos.

Seja por vicio poético, seja por escassa imaginação
Comparo-te aos materiais deleites que meus dedos podem tocar.

Fosse de ouro o teu corpo e safiras os teus olhos,
Com algum esforço eu te teria em meus braços.
Mas és de carne e sangue, forjada no amor de teus pais.
E nada é mais precioso do que carne, sangue e amor – Poesia!

Então, não te tenho e nem te toco,
Senão com um ou outro delírio fugaz que me permito.

Então se és toda poesia, se és feita de amor,
De que me serve todo o ouro e o delicado marfim do mundo?

domingo, 20 de março de 2011

El Toboso, la bella - By Sahge




Tomei-me de amores por ti,Toboso...
Encantei-me pelo cinza de suas pedras aquecidas pelo sol.
E tão extasiado estava pelo calor de sua beleza,
E pelo azul límpido desse teu céu ridente,
Que nem mesmo noteis os negros olhos
E a sinuosidade voluptuosa da morena ao passar.

É-me notável que sejas mais bela,
E mais envolvente do que una mujer con los ojos negros...
E que eu queira perder meus pensamentos e suspiros
Nas tuas seculares paredes musgosas,
Em teus muros cobertos de heras antigas e de noble sangre,
Em tuas escadas de gastos degraus...

Às seis, anunciam os sinos a hora do Angelus...
E eu, infiel distante dos altares e das divinas graças,
Envio minhas preces não para cima, mas por tuas ruas estreitas ou largas,
Apinhadas de gente e história, ou vazias de ambas as coisas,
Indo deitá-las nos púlpitos pagãos das florestas em volta,
Pedindo a todos os deuses bosquíferos, vivos ou mortos;
Que permitam, segundo seu capricho,
Que tudo destruído seja,
Que não haja mais Espanha ou Castilha – Tanto se me dá!
Mas que preservem a ti, bela Toboso de pedras quentes,
Aquecidas pelo sol e amor dessa terra azul...
Porque en las calles incluso se mueven las formas bellas de Dulcinea...

quarta-feira, 16 de março de 2011

Um bom negócio.





Dei-lhe uns trocados e recebi um sorriso.

Sincero, porque apesar do seu estado de mendicância, não me pediu nada. Evitava pedir aos homens. Pedia às mulheres supondo talvez que nestas por serem mais sensíveis, ele poderia despertar um sentimento de compaixão. Eu o observei durante um bom tempo. Estávamos ambos melancólicos; Ele pelas razões óbvias e eu, dentre o muito que arde na cabeça e no estômago, por causa desse tempo nublado que se abateu sobre minha cidade e sobre meu espírito.

Calçada encharcada e suja; um frio dos diabos, no vento e no olhar das pessoas que passavam sem ver o homem invisível sentado numa pilha de andrajos, e eu momentaneamente esquecido da minha raiva pela demora do maldito ônibus. O contraste das gotas de chuva no neon dos letreiros e gente apressada se acotovelando nas portas dos “para-todos” lotados. E ele ali, com aquele olhar angustiado ( se treinado ou não pela pratica cotidiana do pedir-sem-receber, não se dizer);
“Ô Dona, me da uma ajuda?”.

Acredito que ele já estava nisso a um bom tempo, porque enquanto sua boca repetia aquela cantilena a que ninguém parecia dar atenção, seus olhos embaçados, sei lá se por catarata ou álcool, parecia anunciar que ninguém “estava em casa”. Parecia que sua imginação, etílica ou idílica por si, o levava para fora da sarjeta e do frio, para longe do corpo sujo e enregelado... Talvez seja apenas uma impressão minha... Talvez eu tenha essa tendência a psicologizar tudo, até a mendicância. Porque até que fatos me mostrem o contrário, tudo é psicológico. Até a miséria, dele caído na sarjeta, e dos outros caídos em sarjetas mentais, não menos frias.

Finalmente o ônibus veio. Parou no sinal a um quarteirão antes do ponto. Tive pouco tempo então para tomar qualquer atitude e não gosto de pensar que agi movido por compaixão ou por generosidade. Tenho de tomar cuidado quando avalio minhas motivações porque não raro sou justo ou injusto demais para comigo mesmo. A verdade é que me senti irmanado daquele sujeito invisível, cujo corpo pedia um trocado, mas cuja mente estava alhures... Porque sinto que às vezes me sinto desse modo, dicotômico em relação a realidade, no automático.
Claro, estou psicologizando isso também.

A verdade é que eu quis dar a ele um trocado por razões minhas em que eu nem pensei. Talvez seja apenas para zombar daquele discurso que diz que não se deve “incentivar a mendicância ou que as esmolas são usadas para comprar drogas e bla,bla, bla”, desculpas perfeitas para não se importar, para fingir que a tragédia do outro não lhe diz respeito. E eu não ligo se ele usou para comprar cachaça ou pão, coisa que ele conseguiria independente da minha atitude . O que eu sei é que no momento em que lhe dei um trocado (que ele não pediu) e pus a mão no ombro dele (coisa que ele não esperava), trouxe um sorriso sincero e um brilho no olhar opaco de um ser humano de quem a vida tirou absolutamente tudo. Nunca paguei tão barato por algo que tivesse tanto valor.

Pensando bem, não fui generoso ou compassivo. Não fiz nada por aquele homem. Fiz um bom negócio.

domingo, 13 de março de 2011

Yets, em quatro lindas versões


Abaixo o meu poema preferido de Willian Butler Yets em quatro magníficas traduções. Impressionante como lendo nas quatro versões, parece serem diferentes poemas, sendo no entanto facilmente reconhecido o seu teor.


Tivesse eu dos céus os bordados tecidos
Adornados com áurea e prateada luz,
Os azuis, delicados e escuros tecidos
Da noite e da luz e da meia-luz,
Eu os ajeitaria por sob teus pés:
Mas eu, sendo pobre, só tenho os meus sonhos;
Eu postei os meus sonhos por sob teus pés;
Sejas leve ao pisar, pois pisas em meus sonhos.

Tivesse eu o céu, bordado em panos
com ouro e prata feitos de luz,
Azuis, e opacos, e escuros panos
em difusa e profusa e nula luz,
Eu poria os panos aos teus pés.
Mas eu, bem pobre, tenho só sonhos
Eu pus os meus sonhos aos teus pés
Pisa suave, que pisas em sonhos.

Se eu tivesse o manto bordado dos céus,
Tecido de veios de luz de ouro e de prata,
De pano azul, escuro e opaco
Da noite, a luz e a meia-luz,
Eu estenderia um manto sob teus pés: 
Mas, eu, tão pobre, apenas posso sonhar;
Estendi meus sonhos sob teus pés;
Pisa devagar, pois pisas sobre os meus sonhos.

Se meus fossem os tecidos do céu
E os azulados bordados de outro e de prata
E do azul escuro e fosco
Da noite a luz e a meia luz
Como um manto, eu os estenderia aos teus pés.
Mas sendo pobre, apenas tenho os meus sonhos
Eu estendi os meus sonhos aos teus pés
Caminhas devagar, porque caminhas sobre meus sonhos.

quinta-feira, 3 de março de 2011

Apreendendo e apreendendo tardiamente - By Sahge

O grande gênio de Mary Shelley cunhou isso:

Por que há de o homem vangloriar-se de sensibilidades mais amplas do que as que revelam o instinto dos animais? Se nossos impulsos se restringissem à fome, à sede e ao desejo, poderíamos ser quase livres. Somos, porém, impelidos por todos os ventos que sopram, e basta uma palavra ao acaso, um perfume, uma cena, para provocar-nos as mais diversas e inesperadas evocações.
Dormimos.
Eis que um sonho nos envenena o sono.
Despertamos.
Um pensamento errante contamina o dia.
Sentimos, imaginamos, refletimos, rimos, choramos,
Abraçamo-nos à dor, ou libertamo-nos das penas,
Vário é o caminho, mas para a alegria ou a tristeza,
É sempre franco,
O amanhã jamais igualará o ontem;
Nada, exceto o mutável, pode perdurar!

Eu cheguei a pensar num tempo ido, que havia compreendido essas palavras de Mary, dado o grande impacto que em mim causaram. Se eu ao menos fosse tão bom em compreender as palavras com a mesma intensidade com que as sinto, então, tenho certeza, eu seria um grande gênio, talvez até mesmo do porte de Mary Shelley ou do seu. Isso não acontece e me frustro sendo incapaz de compreender as palavras ou mesmo impedir que me penetrem a consciência com tanta força. E como quase tudo acontece tardiamente para mim, só hoje compreendi, em harmonia com muito do que você disse, o que essas palavras querem realmente dizer.

Daí apreendi que é mais apropriado à minha flexibilidade e mutabilidade mental, pautar-me mais por idéias (que libertam) do que pelos ideais (que aprisionam).
E isso não é contraditoriamente prender-me a um ideal (o das idéias), mas uma tentativa de fazer com eu me torne o que você foi por toda a sua vida:


Um ser dialético.

Algo que me ocorreu longo de um longo dia... - By Sahge

Urge que o  Eu torne-se cada vez mais uma autoconsciência da própria unidade e singularidade, e não um mero pronome repetido a exaustão numa retórica vazia, que serve unicamente para a autopromoção num meio.

terça-feira, 1 de março de 2011

Fragmentado - By Sahge



...E daí acordei me sentindo estranho. Era, é claro, um sinal de que estava tudo bem, porque eu sempre acordo me sentindo estranho. Sentia porém, que algo estava diferente sem que eu soubesse exatamente o que. Aquela sensação de estranheza  era enervante, porque estou quase sempre com pressa, mesmo em relação a coisas sem importância, e ter de ficar tentando descobrir percepções por detrás de sensações que nem consigo definir enquanto o relógio ditador controla minha vida, aborrece-me em demasia. Queria ao menos não acordar tão exausto...

As pessoas dizem, e eu não tenho razão alguma para duvidar delas, que existe uma coisa chamada “uma boa noite de sono”, mas se isso realmente existe, o conceito me escapa completamente. Uma noite repousante, sem ter de lutar durante anos num mundo de pesadelos ou delirar por milênios num paraíso onírico...Sem acordar com aquela sensação de que elefantes usaram o seu corpo como pista para dançar rumba... Deve ser muito estranho... Quase como uma morte temporária, de uma noite só.

Algo estava faltando pela manhã, é claro. Algo está sempre faltando e algo é sempre novo. Acontece quando se é um amontoado de fragmentos que se ligam e desligam-se uns dos outros a todo o momento.  Não sei se já voltei pra casa alguma vez o mesmo que quando sai. Não sei se já me levantei o mesmo que quando me deitei na noite anterior. Não que eu estivesse prestando atenção. Parece-me que sempre há um acréscimo de alguma coisa, uma impressão talvez, ou um pensamento que me roeu durante todo o dia, algo que alguém me disse ou o olhar cruzado com alguém que provavelmente eu nunca mais verei... Tudo isso me compõe e então nem é necessário que eu tenha um nome, pois se me denomino de alguma forma, logo no fim do dia ou dali a um minuto já não mais me reconhecerei por esse nome...Me chame do que quiser, mas seja rápido em inventar novos nomes, porque é quase certo de que não vou atender pelo mesmo duas vezes.

Mas naquela manhã, dentre o muito que se desprendeu de mim, evadiu-se a esperança de que eu um dia seria uma unidade, um ser coeso. Não sei onde deixei...Nunca sei onde ponho minhas coisas. Minha memória péssima me leva a fazer anotações para me lembrar as coisas e anotações para lembrar-me de ler as primeiras anotações. Essa deficiência me fez perder muitas coisas preciosas, mas essa era uma pela qual eu devia ter tido um zelo maior.

Irremediavelmente quebrado, já não tinha mais noção das minhas dimensões, mas isso não chegava ser uma vantagem, porque eu estava tão limitado no infinito quanto disperso, dançando na ponta de uma agulha com os anjos vadios.
Não estou certo de onde a perdi, mas caso alguém a encontre, seria um gesto de amabilidade pelo qual eu seria muito grato, devolver-me essa esperança. Não é coisa difícil de reconhecer. Uma coisinha brilhante e um tanto delicada, quase como uma jóia, mas que nos dias de hoje não tem muito valor de mercado. Quase ninguém quer ter a esperança de estar íntegro, de modo que pouco conseguiriam por ela aqueles que a tentassem vender.

Para mim, porém, é coisa preciosa e eu estaria disposto a pagar o que fosse necessário para tê-la novamente. Qualquer coisa que eu possua, daria em troca de ter novamente essa esperança. Mesmo essa quimera a que chamam “alma imortal”, porque de que me serve ter uma alma sem ter esperança para ela?

Queria terminar isso de modo otimista, mas, lamento, também perdi o otimismo em alguma esquina da vida, talvez a mesma esquina onde encontrei este tédio obstinado que me corroi as horas


Linhas - By Emily Bronte

O azul sem nuvens acaricia o olhar
E todo o ouro, o verde e o louro da terra,
Como em um novo éden rebentam nos ares.
Na terra e no ar encontrei o repouso.
Estava deitada e deslizei devagar
E mergulhei ao fundo ,onde reina
A minha infância.
Vi perderem-se ao longe as severas
Idéias,
E a doce memória triunfar finalmente
Das furiosas paixões e das pungentes iras.

Mas nele,
Que o sol agora iluminava
Banhando aquela fronte queimada,
Austera e negra,
Talvez despertassem (como adivinhá-lo?)
Os ecos de um murmúrio ou a doçura de um sonho,
Uma derradeira alegria,
Que depois de anos perdida
Numa frágil noite se tenha fenecido.

Este homem rude de férreo coração,
Parecia se muito comigo outrora;
Talvez tenha sido uma criança grave, ardente,
E sua infância deve ter visto
A gloria e os verões do céu.

Bem podem ter gemido no seu coração,
Ocultas tempestades,
Mas saberá ele esquecer em sua alma deserta
a antiga lembrança da primeira mansão?
Esquecer para sempre,sem esperança de volta?

Nem jamais voltar ver a imagem de sua mãe
Quando, relaxando os braços, doce e ternamente,
Abandonava a criança que seu coração
Preferia
Aos folguedos e aos jogos que duravam
Ate a noite?

Nem os lugares amados, nem as colheitas de flores,
Que a mão pequena apertava com ardor,
Ao voltar dos jardins onde a noite baixava
Misturando-se suave aos seus calmos cabelos?

Eu olhava a brisa
Brincar ligeira e beijar-lhe as faces,
Olhava seus dedos, fechados entre as rosas,
E espiava descer às suas faces
uma outra sombra, efêmera e dócil
Que na sua passagem lançava àquela alma
A ternura de um sonho.


Os olhos circulavam através da janela aberta
Do jardim cheio de reflexos ao céu
Maravilhoso.
E a esperança dos bosques se fazia mais
Profunda,
Aos cantos harmoniosos  da terra inumerável.

Ele silenciava e eu pude acreditar
Que talvez seu espírito
Consentisse ao repouso
Submetendo enfim aquele atormentado
Coração.
E na sua alma talvez surgisse a vaga
Do tranqüilo oceano que alimenta o sonho.

Quero estar mais próxima de espetáculo tão belo;
Verei seus olhos negros
Enfraquecerem e se velarem
Sob um santo orvalho,
E o remorso despertar na sua consciência
Para livrá-lo um pouco do peso
Destas culpas.

Eis talvez, a hora em que os destinos sonharão
Com o fim deste fatal poder que o inferno ostenta.
Ver-se-á o próprio céu descer de suas alturas
E saudar a alma em gritos, e o amor que salva.

Atenta, em segredo, retive os meus olhares.
E devagar meu pensamento seguiu o raio de luz,
Cujo brilho tinha furtado à sua passagem:
Surpreendi então nas suas pupilas a fria indiferença
Com que fitava o esplendor do lugar.

Oh!
O crime pode envelhecer uma alma ainda
Jovem,
Mais cedo do que os anos de exaustivo
Sofrimento,
E congelar o calor de um sangue generoso
Como o vento de inverno ou a neve dos pólos.

Esquinas e Curvas - By Sahge

O que completava e competia a tua alegria me escapou dos pensamentos...
Não consigo capturar nessas linhas turvas, difusas
Não consigo entender o que confundo com tanta e teimosa frequencia.
Se o que queres é eternizar-se em mim, dê-me prazer ou deixe doer,
Não temas. Faça-o! Simplesmente faça-o...
Mas não sejas nunca inofensiva ao meu espírito
Jamais inócua à minha carne e a minha mente.

Tudo o que sabemos sobre o amor poderia não ser verdadeiro
E se assim fosse, caber-nos-ia criar uma nova definição
Uma que fosse só nossa, porém mais real do que o ideário..

Tornemo-nos lindos, tornemo-nos trágicos se necessário,
 Porque grandes tragédias comovem
E são o perfeito enredo de uma história de amor.
Vamos nos amar trágica e lindamente!
Mas se quiseres um final feliz, doce e colorido,
Tal qual sonhava a tua infância na vida,
O podes comprar em troca de um sentimento menos real.

Desaprendi a perder, tu sabes.
Então guardei a marca das tuas pegadas,
Certo de que as seguirias de volta para casa.

Ignoro o que é essa parede de bruma entre nós.
Eu sei,
Que eu nunca soube coisa alguma do que devia saber.
Atolado entre uma pilha de livros em mil línguas,
Lendo os pensamentos de outros,
Nunca soube ler os teus silêncios
Nem mesmo quando eles gritavam para mim.

Nunca soube coisa alguma
Sobre o descompasso do teu coração
E da alegria e da  alegoria ardente de tua alma
Sob cuja superfície perpassava uma tristeza muda.

Nunca entendi,
Porque devias tu pensar com a mente de outros
Pintar o mundo com cores alheias...
Na minha loucura ou lucidês de poeta
Cheguei a pensar que te bastaria e servia
Como para mim, é certo, bastava
As mais perfeitas cores que emanam de ti mesma.

Seriam as flores insensíveis a própria beleza e perfume?
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